mais vale mudar o figurino do que morrer nas mãos do encenador



Todas as cores são formas
A matéria é cor
Então, a matéria é forma?


O que é a arte? O que é a pintura?
A pintura é estrutura, é cor, pensamento e este o que é? Vem do fundo de mim ou da mulher de brinco que conteve o choro. Éramos dois, sempre.
O encenador entrou no bar quando já não estava ninguém...só garrafas e copos vazios, estava agarrado ao compromisso do amor. Desapontado com o nascer do sol, mandou fechar a porta, as emoções acalmaram. Os momentos de dor maiores que o amor estavam a transformar a leveza em turbulência, a beleza em violência.
Durante 25 anos nunca falou da sua arte, não por incapacidade ou desleixo mas por insuficiência de compreensão, desconhecimento. Nunca teve razões para esclarecer ou argumentar sobre questões que se colocam ao artista. Porque o faz? Qual a mensagem? E outras...
Anos de embaraço sem respostas.
Questionava-se sobre essas evidências de não ter projectos teóricos capazes de fundamentar as diferentes fases da produção, que coerência e sentido? Ultimamente, ocorreu-lhe que talvez não fosse artista mas um sonhador pictórico, um explorador de contos, de pequenas narrativas muito pouco descritivas mas muito plásticas capazes de sugerir acontecimentos vividos, metamorfoseados em personagens silenciosas que os disfarçam. Actores sempre revoltados, habituados a descobrir que a ocultação é propositada como se o encenador os condenasse ao submundo. É que existir é enfrentar a realidade, é acto, é sujeitar-se ao mundo, à objectividade. Assim se explicava o seu desinteresse pela perspectiva, pelo ponto de vista. Um elogio ao demiurgo, parecia ser esta a vantagem dramática de criar histórias de formas que acrescentam à existência outras tantas reincarnações possíveis de contos indesejados. Dramática por serem estas impressões cruzadas, não a partir de projectos a priori definidos nem conseguidos de shows de criatividade, mas antes de angústias e principalmente da responsabilidade que teima em contar histórias de amor livre sempre mudas.
Nunca lhe interessou a mensagem social ou explorar a relação da arte como modelo de reflexão ou formas de consciência mais ou menos relaxada mais ou menos política, talvez porque o actor filósofo passou essa mensagem num combate partilhado com os outros, com militância mas sem propaganda. Mas a arte é outra coisa, o indizível. É um discurso nunca treinado que resulta não de um código de sinais mas de um jogo ocasional e acacial (acção incontida) que une vários elementos e do outro lado o figurino a submeter forma. É quase a mesma guerra que existe entre o mundo e a existência, entre a matéria e a forma. Se no quotidiano aceitamos que somos lutadores até ao fim, também o acto criativo é a convicção permanente de que aquilo que fazemos é não só a possibilidade de intervenção convicta no mundo e sempre uma nova batalha. Então onde entra a técnica? É um segredo, ela seduz primeiro as figuras, ama-as ou condena-as. Fracasso... Falhanço... Festejo..., é o final com que nos apresentamos, reconhecimento dos limites e recomeço deste ciclo de afirmação/negação.
Sonhadora e actriz agradeço as palavras e fujo para a tela para não morrer nas mãos do encenador.
Praia da Granja
Ana Maria