Um projecto musical - A tinta que matou o CD

A Tinta Que Matou o CD é uma edição de 44 paletas/cds que estão numeradas do número um ao quarenta e quatro, todas assinadas pela artista, tendo como títulos, alguns dos nomes das canções que Billie Holliday interpretou.





Três  videos para três músicos e um texto de antónio ferro de homenagem e memória a Billie Holiday





















The lady   a    pintura e o JAZZ

The Lady A Pintura E O Jazz
 é o resultado da partilha da experiência musical de manuel guimarães - piano; rui azul - saxofone ; antónio ferro - baixo e da pintora ana maria que criou imagens animadas para cada um dos músicos.








Quando Billie cumpria pena de prisão em Alderson confiaram-lhe a guarda de porcos e perus, aquelas aves que no Dia-de-Acção-de-Graças são empanturradas de bebida e ficam a deitar os bofes de fora. Nesse Natal foram-lhe recusados mais de três mil postais de boas festas que provinham de Xangai, Bombaim, Cidade do Cabo, América e Europa.
Talvez a única acusação que lhe possamos fazer é a de (en)cantar de uma forma lenta, lancinante, arrastada, cheia de sentimento e emoção.
No dia 07 de Abril de 1915 nascia Eleanora Fagan, filha de Sadie e Charles, ela com 13 e ele com 15 e ainda de calções. Talvez tenha passado no Hospital os dias mais regalados da sua vida, pois como os pais não tinham condições económicas para as despesas de parto, as mesmas foram pagas com os braços e os joelhos da mãe, com água e sabão. Quando Eleanora saiu do hospital já se endireitava na cadeira, desvendando a sua forma ultra precoce que sempre imprimiu à sua vida. Depois da despedida do pai, com a obrigatoriedade do serviço militar, Sadie teve que depositar Eleanora na casa dos avós e da nefanda prima Ida. Foi nesse domicílio que ela melhor interpretou o papel de gata borralheira. Levava surras por tudo e por nada com paus e chicotes e tinha que manter o silêncio que pela vida lhe foi difícil manter.
O respeitável vizinho Sr.Dick intentou abusar dela com apenas dez anos. Como era mulata e tinha o peito consideravelmente crescido, deu-se uma reviravolta no processo, e a acção foi vista como uma invenção da jovem, o que lhe custou a primeira ida a tribunal e o internamento numa instituição católica. Uma noite, depois de a obrigarem a partilhar a mesma cela com uma rapariga morta, viu as suas mãos manchadas de sangue, tal a violência com que fustigou toda a noite a porta da alcova. Aos doze, foi finalmente consumada a violação, desta vez por um trompetista negro, o que a fez abominar o sexo. Este “detestar” os homens, serviu-lhe para os primeiros trabalhos, na Rua 141 em Harlem. Tinha imposto como condição inabalável, receber apenas brancos, respeitáveis chefes de família, diferentes dos negros que pretendiam passar a noite inteira e sempre preocupados com o desempenho. Como apenas trabalhava às quartas e sábados e com clientes fixos, podia ajudar a mãe nos restantes dias. Umas das principais atracções da casa de Alice Dean era a música dos discos de Louis Armstrong e Bessie Smith, ouvidos vezes sem conta.
Finalmente comprou o seu primeiro vestido de seda e o seu primeiro par de sapatos de salto alto. Nos dias livres usava a porta traseira do cinema, para visionar inúmeras vezes os filmes de Billie Dove. Foi uma óptima oportunidade para roubar o nome Billie e o substituir pelo já gasto, Eleanora. Nas casas de prostituição ouvia-se jazz, sendo também o único local em que conviviam brancos e negros, enquanto que nas igrejas os bancos da frente eram exclusivamente para brancos. Numa noite, em risco de expulsão do pequeno apartamento onde vivia e com a mãe enferma, Billie procurou trabalho no clube “Pod´s and Jerry’s”. Depois de ter tentado ensaiar passos de dança sem êxito, seguiu o conselho do pianista residente, cantou “Trav´lin´All Alone” e foi aceite. Os 45 dólares da noite garantiram mais um mês de residência. Nessa ocasião as cantoras “Ups” cantavam pelas mesas e depois iam recolher as respectivas gratificações. Com o seu duro carácter, Billie recusou-se a recolher gorjetas, essa atitude valeu-lhe o apelido de “Lady”. John Hammond e Joe Glaster repararam nela e foram os seus primeiros empresários. Com Benny Goodman entrou pela primeira vez em estúdio e a muito custo conseguiu gravar, pois o enorme microfone colocado no meio da sala assustou-a de morte. Entrou no Apollo pela mão de Schifmann que definia o seu estilo como:
“ Nunca ninguém cantou tão lento e tão arrastado…”, Lester Young foi seu fiel companheiro, até nos poucos anos que separaram as suas mortes. O seu velho saxofone remendado com fita adesiva e elásticos, esteve sempre na continuidade dessa voz que normalmente é relacionada com os blues, embora só tenha cantado cerca de dez, nas mais de trezentas canções que gravou. Foi Lester quem resolveu separar Day de Holiday e assim nasceu “Lady Day”.
Na altura a vida era extremamente dura para quem viajava cerca de 500 km por dia e mudava semanalmente de local de representação.
Do seu cachet tinha que tirar dinheiro para dormir, para o cabeleireiro, para a lavandaria e ficava apenas com 1 dólar para comer e em alguns casos conseguir pequenas economias para a mãe.
Foi no autocarro da Blue Goose que Billie acompanhou a orquestra de Count Basie. Nas digressões pelo sul conseguia economizar mais. Como não eram aceites negros nos hotéis e nos restaurantes, poupavam-se essas despesas, ficando apenas mais dificultada a utilização das casas de banho públicas…
Num dos regressos de tournée Billie conseguiu mais de mil dólares, numa jogatina com os seus companheiros de cerca de dez horas seguidas. Esse dinheiro serviu para a sua mãe, mais tarde, abrir o restaurante “Mom Holiday’s”.
Detroit foi sempre a pior cidade da sua vida, pois se noutros locais era chamada de “preta”, lá foi obrigada a escurecer ainda mais o rosto para acompanhar uma banda de negros.
Em Fevereiro de 1937, é lhe comunicada a morte de seu pai, dez minutos antes de entrar no palco – precisavam de limpar a morgue e não sabiam o que fazer com o corpo. Tinha acontecido ao pai, a mesma situação que anteriormente tinha vitimado Bess Smith. Foi-lhe recusada a entrada em vários hospitais por ser preto e quando chegou ao hospital de veteranos de guerra, já era tarde. Mais tarde a canção “Strange Fruit”, descreve esta descriminação.
Foi no funeral do pai que Billie soube da sua segunda madrasta e dos seus dois meios-irmãos. Com a separação do seu primeiro marido, Jimmie Monroe, a sua inspiração criou a bela canção, “Don´t Explain”. Abandonada como tinha sido sua mãe, conheceu mais tarde um jovem trompetista Joe Guy, o que se revelou um tremendo desastre amoroso e financeiro. Resolveram criar uma orquestra, organizar digressões mas não tinham pulso junto dos músicos, o fracasso bateu-lhes à porta. Ainda na companhia de Joe e num sonho, sentiu um ligeiro toque da mãe no seu ombro e assim adivinhou-lhe a morte.
As drogas não entraram com a partida da sua mãe, tudo tinha começado com uma dor de dentes e umas passas de erva para aliviarem a dor, mas quando se sentiu totalmente sozinha, arranjou “essa” nova companheira.

“Os Estados Unidos contra Billie Holiday”
Acusação do dia 16 de Maio de 1947
“Billie Holiday recebeu, escondeu, foi portadora e facilitou o transporte e armazenamento de …drogas…importadas ilegalmente e trazidas para os Estados Unidos, violando a lei nos seus termos descritos da secção 174, título 21, USCA”

(Imaginem se o governo perseguisse os diabéticos, criasse um imposto para a insulina e a pusesse no mercado negro, dissesse aos médicos que seria proibido tratá-los e depois os apanhassem e os condenassem por não terem pago os impostos devidos…)
Sem direito a advogado, sem comer há uma semana e a vomitar a água que ingeria, foi obrigada a assinar a sua condenação de um ano e de um dia.

“Lembro-me do Natal quando ainda presa fui criada de uma vara de porcos e de perus, não são eles que são cozinhados no Natal e no Dia-de-Acção-de-Graças ?”

“Houve um Natal, ainda presa que recebi mais de três mil postais de Xangai, Bombaim, Cidade do Cabo, da América e da Europa. Pela lei só podia ler as cartas dos parentes mais chegados e eu não tinha nenhum. A fruta, o vinho, o whisky e o champanhe que me enviaram, foi também devolvido, já que eu não lhes podia tocar.”
“Não cantei na prisão porque eu não consigo cantar sem sentimento. E como não senti nada no tempo que lá passei, não cantei.”
O seu estado de saúde agrava-se, a sua voz altera-se, quanto menos perfeita tecnicamente mais nos sentimos envolvidos, a sua dicção e as suas entradas atrasadas comovem-nos.
Billie é a mulher, mulher vítima, mulher amante, mulher de esperanças desfeitas, de desgostos, de solidão, como a sua morte espelhou no dia 17 de Julho de 1959.
Desde o dia 12 de Junho que a polícia mantinha o seu quarto hospitalar sob vigilância, depois de uma nova acusação de posse de droga, valeu-lhe ao menos o seu precário estado de saúde que a impediu de se poder deslocar até às instalações policiais.
“Uma manhã descobri que estava mesmo curada. Foi quando não consegui ver mais televisão. Quando estava drogada passava horas a ver televisão e adorava. Quem sabe o que o futuro nos reserva?
Outro julgamento? Claro. Outra prisão? Talvez. Mas se conseguirmos mais uma vez vencer o hábito e desistir de ver televisão, não há cadeia no mundo que nos incomode. Cansada? E estou! Mas em breve esquecerei isso tudo com o meu homem…














Manuel guimarães









rui azul