Ana Maria
Pintura minuciosa e enigmática como um complexo labirinto
Nascida em 1959, em Lisboa, licenciada
em filosofia na faculdade de letras da universidade do porto, Ana Maria é uma
pintora autodidacta de reconhecido mérito. Expondo desde 1984, cedo se revelou
um caso de inegável autenticidade e originalidade. Tive a honra e o prazer de
ter feito parte do júri que a distinguiu com o Prémio Nacional de Pintura de
Júlio Resende, em 1990.
A sua obra surpreende e fascina
pelo modo meticuloso como concebe uma imagética minuciosa, que se organiza como
um complexo labirinto de sentido enigmático na fronteira da
figuração/abstracção. O labirinto é um arquétipo universal que na sua obra,
adquire pertinente significado ao tentar responder ao enigma da própria
existência humana. “Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou?” É compreensível
que tão inquietante temática necessite de todo o tempo da vida para sair da
obscuridade e reencontrar a luz que ajude a esclarecer os múltiplos meandros de
mapas imaginários de percursos e lugares afectivos, que abrangem memórias de
zonas verdes da natureza, ameaçadas pelo crescimento acelerado dos centros
urbanos. É neste contexto que se insere a inesgotável imagética emblemática de
Ana Maria. Vestígios de cidades labirínticas emergem da “linearidade pura” de
signos repetitivos, aglomerados em áreas da luz e sombra. A linha investe em
todas as direcções, percorrendo, entrecruzando e preenchendo o plano
bidimensional do espaço topológico. Resultante de um labor meticuloso, a pintura
de Ana Maria é para ser observada demoradamente, sem pressa, criando uma
relação intimista entre a visão próxima do mais ínfimo pormenor e a visão
cósmica do todo. Quantas horas, quantos dias, meses e anos são necessários para
realizar uma obra tão pacientemente elaborada como a de Ana Maria?!! ... Há na
sua obra uma noção de tempo sem fim, que designamos por eternidade.” Sinto (…)
que cada vez é mais difícil acabar uma tela ou finalizar um trabalho” – diz a
pintora – “O meu trabalho é sempre demorado, é de pormenor, de descoberta, de
viagem (…). Tudo acontece na tela ou no papel” (…) “ O que importa é o sentido
último das coisas e estar atento para que da minha aldeia eu possa observar o
mundo inteiro”.
O labirinto associa-se à ideia de
espaço contínuo, que se pode prolongar indefinidamente, criando uma imagem de
infinito. Na pintura de Ana Maria, a interrogação é uma constante, quer no modo
como trabalha, ao condensar no quadro toda a sua experiência sensorial da
linha, forma, estrutura, cor e textura, quer no processo pessoal que assume
como uma chama sem solução e, no entanto, plena de sentido poético. Quadros sem
título, difíceis de nomear e de decifrar, são orientados para os olhos,
estimulando a capacidade visionária do espectador. E o que é o pintor senão um
espectador por excelência ou um voyeur da sua pintura?
Pensar o que se vê ou deixar que
os olhos comandem a nossa percepção das linhas que se entrelaçam e engendram
formas e planos coloridos, que se articulam uns em função dos outros, como as
peças de um
“puzzle”, num mesmo espaço
topológico. Ao delicado jogo gráfico ajusta-se o subtil cromatismo tonal de uma
enorme variedade de cinzentos , verdes, azuis luminosos e ocres.
A atenção com que cuida das suas
pequenas aguarelas diz tanto de si como as telas de maior formato. Sinal
de identificação de uma linguagem pessoal, inteiramente dominada.
Trata-se de uma pintura de grande qualidade técnica e autenticidade expressiva
a que não podemos deixar de ser sensíveis.
Eurico Gonçalves
Maio 2000