My painting could be a skylark
Vernissage le 19 octobre à Lisbonne !

Inauguration on October 19 in Lisbon!


Ma peinture pourrait être une Alouette





 Mais alto  ainda , 
sempre mais alto,
                                                                      De nossa terra tu te arremessas,

                                                           Qual vapor inflamado,

                                                                    Tua asa vence o abismo  azul,
                                                   E sobes cantando e

 Subindo  cantas sempre.




 Poema a uma cotovia de Shelley



A minha pintura podia ser uma cotovia

 A pintura do Corpo – ou a última metáfora é uma refle(xão) - ação sobre a ocupação do espaço em pintura e as possibilidades  do gesto ao pintar, esse movimento que  nunca se repete ainda  que o cérebro entusiasmado se esforce sempre, por duplicar o resultado inicial. É a luta entre a repetição mental-cópia e a improvisação da ação: - o pensamento que quer tornar a expressão compreensível e o gesto que se quer tornar existível.
É por isso que o corpo é, ainda, livre e louco. O corpo é anterior e posterior, habita e despeja o espaço que é a distância entre mim e a geografia do meu chão. A minha pintura está no corpo que recebe a luz e o brilho que vem do oriente luminoso mas é a sombra que revela e atua enquanto a cotovia descansa.
É a sombra que mantém a pintura suspensa entre a natureza celeste e a natureza terrena.
 Eu que sou corpo vejo campos de interrogação, vejo a luz poderosa que tudo arrasta e submete para reescrever formas. Vejo no seu oposto, a sombra que dá consciência ao duplo originado na reflexão/meditação.
 É a sombra que recupera o corpo e nos torna “aqui e agora” humanos. É a sombra que simboliza o dia, que evita a noite. Também a cotovia apresenta o amanhecer, enquanto o rouxinol chega com o pôr do sol.
É o objetivo desta pintura trazer o meu corpo ao voo da cotovia.
O criador artista transforma-se em aviador de perspetivas.
  A arte realiza a re-ligação do corpo ao mundo e do mundo a mim. É nesse momento contínuo, que uma natureza presente não prepara o futuro, nem é história. É um encontro a dois entre a mão e a passagem do tempo que atua sobre a forma.
Descobri que a pintura não é um campo de batalha onde se luta pela imposição de um espaço. Eu pinto a liberdade.
Tenho pensado que procuro a cisão, a fissura original que se escapa pelo corpo porque não tem nenhum ou outro modo de se mostrar. É nesta brecha que reside o meu trabalhar... A tela passa a ser um espaço, de possibilidade sobre a divisão/intuição, um espaço de disposição, não de imagens, nem cenários, mas da própria forma de Ser, repleta de existências em mundos mais ou menos cognoscíveis. Somente o olhar interessado do pensamento autêntico os pode ver. Fico em silêncio, reservo a interpretação em privado porque não quero morrer.
                  Somos tão incertos!   


Esta pintura é a apresentação de um evento singular do corpo inclinado que faz da tela o sentido da sua existência, o seu desejo e a sua negação. Deste modo é nesta experiência corpórea de olhar e fazer que um pensamento em acaso se movimenta a um ritmo impaciente, intransigente, sedutor.
A tela implica comigo através do corpo da pintura, indeciso entre ser brilho ou sombra. Toda a pintura é corpo e todo o corpo traz sombra…A sombra é silêncio. É a metáfora que subjetiva o mundo-coisa. A sombra é visível e transparente quase enigmática, tal como o universo que a transporta. Transformar a sombra em magia é uma conversão permanente do ser das coisas nas coisas do ser…. É como se os pensamentos e os processos subjetivos se tornassem coisas-acontecimentos, que os espectadores transformam outra vez em interpretações subjetivas, experimentando olhar, até encontrar o vazio central e assim, articular uma zona de (in)conhecimento.
Transformar a sombra em magia é como pintar fora do ser, com uma esfera intencional que não significa deixar de ser, mas deixar aberto o ser, tornar liberto para o outro possível - em rescaldo. Se protegermos a sombra nunca perdemos o sentido do corpo, esta projeção é a fecundação do lugar, do espaço próprio da existência, é o nascimento da transcendência entre o homem e a natureza numa espécie de ritual iniciático colorido.  
 A pintura como problema é para mim uma questão antropológica, tal como a humanidade enquanto espécie está no começo, é possível que esta pintura enquanto técnica de mediação se assemelhe às passagens sucessivas da cotovia, da terra ao céu e vice-versa, unindo assim, os dois polos da existência. Também ela é uma espécie de mediadora.
Nestas formas picturais existe uma poderosa força de abstração que redimensiona a existência das coisas sensíveis implicando a sua movimentação para sensações ideais. O contorno limita as transmutações, as linhas aumentam as interações e as texturas aleatórias tornam o duplo fabricado pela sombra o produto espontâneo da consciência de mim própria - a consciência da queda.
A cotovia, pela sua maneira de se elevar muito rapidamente no céu ou, ao contrário, deixar-se cair bruscamente, simboliza a evolução e a involução da consciência?



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A pintura assim, permite-nos participar convictamente neste resvalar permanente:
- O artista arrasta para a liquidação ao mesmo tempo que amplia o vivente, o auto flirt, o vital.
Esta complexidade é a intersecção entre a destruição interna, entre o mortal, a desordem e a tolerância também moral, servindo-se dela e combatendo-a simultaneamente até ao fim, pelo bem, pelo bom.

Para Bachelard a cotovia é uma imagem literária pura, o seu voo muito elevado, o seu pequeno tamanho e a sua rapidez impedem-na de ser vista e se tornar imagem pictórica. Metáfora pura, a cotovia transforma-se, portanto, em símbolo "de transparência, de dura matéria, de grito.
Acreditar na pintura é uma reorganização permanente de metáforas sempre endividadas, sempre reféns do corpo e do pensamento…". E o filósofo cita o poeta Adolpho Rossé : "E depois escutai: não é a cotovia quem canta... é o pássaro cor de infinito";
Eu que sou corpo, pinto a cidade, sem muralhas, de azul de possibilidades, pinto as realidades vitais, cheias de fogo e vento.
Eu que sou corpo e pinto, sou mais verdade que beleza, Mais desejo que verdade. Mais torre que transformação, tomo conta da passagem e crio a abstração.
Cada sessão interpretada transforma-se em melancolia porque a beleza ampara-se no corpo trágico e finito. As manchas recordam-se das memórias na torre ilibada. Daí escapam as imagens imersas, que mal compreendo, que vejo sem olhar o mundo que habito.

Eu que sou corpo e pinto quero vos dizer que os sonhos estão nas mãos e tomam a direção do corpo. É uma sustentável imperfeição.
Eu que sou corpo e pinto quero-vos falar desta maneira de não fazer guerra. Dizer-vos que trago até aqui a terra resguardada, a terra fina, a sensibilidade e o equilíbrio.



Eu que sou corpo e pinto peço-te que sejas paciente porque não imito nem a natureza nem o mundo. Apenas escrevo formas distraídas de movimentos que existem no meu corpo agarrado.
Eu sou daqui desta zona, da mulher mãe, perto do mar que não espera pelas ondas quando o nevoeiro se afasta.
Eu que sou corpo e pinto, tenho as mãos na areia macia, sou do tempo da sombrina, dos artistas que transformam a dor.
Eu que sou corpo e pinto tenho as paisagens nos olhos, na cerimónia do chá.
 Quero que a minha pintura mostre que o corpo não tem imagem é apenas metáfora, que o corpo é alma, embrulho original, para que quando aberto, se tornar a matriz de todo o espaço existente da tela-mundo.
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A pintura serve-se do corpo……. Está numa reserva das minhas mãos…… habita os meus olhos os meus lugares ….. e.. tu, por vezes, quando olhas, apenas vês o corpo porque  não tens os olhos habitados de poesia nem vês as imagens desenhadas nas mãos. Tu que olhas o corpo tens que ver o fio que liga as cores para depois os desatares e encontrares a plenitude da abstração …… Tu que te delicias reclinado nas imagens - esquece-as, esconde-as, separa-as, detracta-as e vais ver que num simples ponto, num sinal encontrarás muitos outros mimos, estimulantes…. Hilariantes……. Longos….. pequeninos……curtos…… engraçados…… direitos……. Coloridos……. Expressivos………

 imitados……… sentidos….


“….. cor de ascensão... um jacto de sublimação... uma vertical do canto... uma onda de alegria.
Só a parte vibrante de nosso ser pode conhecer a cotovia”.    G.Bachelard



                                                                                            ana maria    


















                                                                                              








Já depois de toda a exposição estar prepara  encontrei  uma série de textos que acabei por ler e que aqui partilho convosco alguns trechos.

Contos Dos Homens Sem Sombra

Hans Christian Andersen - A Sombra
…. Certa  noite, estava o sábio na varanda e tinha por trás uma vela acesa; era natural que a sua sombra se projetasse na varanda do vizinho. A sombra movia-se por entre as flores e repetia todos os gestos do sábio. “ julgo que a minha sombra é a única habitante daquela casa em frente; é ver como ela está sentada ali no meio das flores, junto da porta! O que ela devia fazer era entrar, ver o que se passa lá dentro e vir depois contar-me tudo. Anda entra, vai, mostra que serves para alguma coisa. Entra!
Acenou depois com a cabeça à sombra e a sombra repetiu o aceno: Vai, mas não fiques lá muito tempo.”
Dito isto, o sábio levantou-se e a sombra fez o mesmo. Voltou-se e a sombra voltou-se também. Quem estivesse a observar todos estes movimentos, veria a sombra a entrar pela porta entreaberta, na casa vizinha, ao mesmo tempo que o sábio entrava no quarto e puxava a cortina. No dia seguinte quando saiu para tomar o café e ler os jornais, e se viu ao sol radioso, exclamou: “ Mas então que é feito da minha sombra? Terá ela abalado ontem e ainda não regressou? Seria caso digno de lástima. “ Sentiu despeito, não tanto por a sombra se ter sumido quanto por saber a história dum homem sem sombra…..


Adalberto von ChamissoA maravilhosa história de Pedro Schlemihl
Eu peço apenas a vossa Excelência para me deixar apanhar a sua magnífica sombra e para a meter na algibeira: quanto à maneira como isso é possível, não se importe. Em troca, dar-lhe-ei a escolher entre as diversas preciosidades que tenho na algibeira: a verdadeira raiz-gazua, a raiz de mandrágora, moedas que transformam as outras em ouro, os táleres voadores, a toalha mágica do escudeiro de Rolando………- Aperte aí, negócio fechado! Ele apertou-me a mão e , sem  mais hesitações, ajoelhou-se na minha frente. Pude então ver a habilidade com que recolhia do chão a minha sombra, a começar pela cabeça e a acabar nos pés, erguendo-a, enrolando-a e metendo-a finalmente na algibeira. Feito isto, inclinou-se na minha frente e desapareceu atrás das roseiras. Eu, por meu lado, agarrei os cordões da bolsa ……Na manhã do quarto dia, vi-me no meio duma planície arenosa exposta a sul; estava sentado no meio de uns rochedos, ao sol, que agora gostava de contemplar, depois de ter estado tantos anos sem para ele olhar. Em silêncio, deixei o coração cevar-se no seu próprio desespero. De súbito, senti um leve ruído perpassar junto a mim. Receoso, olhei em volta e preparei-me para fugir. Não vi ninguém. Mas na areia batida pelo sol, deslizou uma sombra semelhante à minha que, passando por ali sozinha, dava a impressão de ter fugido ao dono. Fui dominado por um certo entusiasmo: ” Sombra (pensei),procuras um dono? .......














Hoffmann - A História do Reflexo Perdido




- Como  poderias tu ficar com o meu reflexo? – tornou-lhe ele.








- ele é inseparável da minha pessoa, acompanha-me por todo o lado, é-me devolvido por todas as águas calmas e puras, por todas as superfícies polidas………não tinha Erasmo aina dado conta de que era objeto de murmuração, quando um homem idoso e grave no semblante, levantando-se, se lhe dirigiu, levando-o depois até ao espelho, posto o que se voltou para a assistência e disse em voz alta: é verdade não tem reflexo, é má pessoa, é um homem nefas……..

























Óscar Wilde - O Pescador e a Sua Alma
….. aquilo a que os homens chamam a sombra do corpo não é a sombra do corpo mas o corpo da alma. Vai para a beira-mar com as costas voltadas para a lua, e corta a sombra à roda dos teus pés. É o corpo da tua alma, e ordena à tua alma que te deixe e ela fará assim…..
E a alma disse-lhe:
- Se querem, na verdade, separar-me de ti, não me mandes embora sem coração…….