O acaso
Ecoam
em almas esquecidas essas palavras que descrevem as ruínas de uma antiga
cidade, escondida debaixo de um manto indelével de pó, do tempo e da memória.
Repetem-se imóveis os vestígios dessa estranha e obliqua geometria que se
repetia ad aeternum por entre a
morfologia inquieta desse lugar. A torre único sinal actual dessa outra
existência mitológica encerra todas as questões. Embora alguns existam que
tenham avistado essa torre, outros duvidam da veracidade desses depoimentos.
Mas
a descrição permanece fiel e semelhante, para lá chegar será preciso subir os
1089 degraus que dão acesso à plataforma onde assentam as paredes e as 99
colunas que encobrem a única porta que dará acesso à torre. O labirinto afasta
a intromissão dos homens que correm ainda hoje loucos nesse labirinto. Das 31
portas, apenas uma se abrirá acedendo ao interior da estrutura e da escadaria,
quase infinita, de lajes de pedra. Não existiriam janelas, mas espelhos que
reflectem a luz e o silêncio do sol, 66 espelhos que projectam a mesma
realidade 66 vezes diferentes. Os degraus sucedem-se, 11 por patamar, de piso
em piso, mas chegando ao último andar apenas o vento e a luz do interminável
firmamento. As escadas interrompem-se antes mesmo de alcançarem a laje desse
trigésimo terceiro piso, que não existe. Desse ponto seria possível avistar e
compreender a terrível geometria dissimulada da cidade.
Várias
hipóteses se construíram à volta dessa discussão. Os mais pragmáticos,
engenheiros, referiram as dificuldades técnicas na execução da estrutura da
torre, o que a terá deixado incompleta. Arqueólogos e historiadores, apontam a
antiguidade da estrutura e a consequente ruína, a torre não teria trinta e tres
pisos mas dez vezes mais que ruiram por cada século que passou. Outros, arquitectos,
referem que o final abrupto da torre não é acidente mas propósito, o último
degrau não é pedra, mas marfim. O comprimento, 32,999 cm seria parte de uma
sucessão de degraus que levaria a que a medida do próximo fosse exactamente
trinta e tres. Estas afirmações foram mais tarde reforçadas com o facto de na
torre não existir o trigésimo terceiro degrau, nem o trigésimo terceiro
patamar. O trigésimo terceiro espelho é apenas pedra nua, sem reflexo e no
lugar onde estaria a trigésima terceira coluna existe apenas uma perene flor de
açafrão.
O
impenetrável sentido da torre, levou a um intenso debate e discussão. A
metáfora do sentido último do número levou aos mais extremos gestos de fé, que
viam como o derradeiro sinal de um deus enquanto os teólogos discutiam a
dimensão divina ou, talvez, cabalística do número. Os matemáticos falam de um
complexo sistema de fórmulas em que trinta e tres não é em si um fim mas o
principio de uma equação infinita ou a última grande civilização matemática que
tinha o número como principio fundamental. A filosofia desprezou o significado
do número, preferiu a metáfora ontológica, o sentido último da torre, o
derradeiro piso não existe. A consciência civilizacional e histórica da não
existência de Deus. Os místicos elegeram-na como a fonte de todas as
iniciações, de todos os símbolos existentes e não existentes, onde trinta e
tres seria uma palavra, a Palavra que desvendaria todas as questões. Outros
mais cépticos falam num jogo interminável de entretenimento, alguém destruiu e escondeu
a trigésima terceira coluna, o trigésimo terceiro degrau, a própria torre nunca
foi mais que uma bela e utópica ilusao.
Eu
prefiro confiar no que dizem esses velhos habitantes de um outro lugar, trinta
e tres nao é nem número nem palavra, nem desejo nem utopia, é um acaso e
apontam-me para o sol que se põem do outro lado das montanhas.
Pedro
Levi Bismarck, Berlim 2 Marco 2005