“….a poiesis,
o campo que abre e encerra todos os outros, que permite que
a experiência da realidade signifique algo mais. O espaço da construção
poética, do nosso movimento até à invisibilidade própria dos objectos, mas que
é também um movimento até nós próprios. Onde reconhecemos não apenas o objecto,
mas nos reconhecemos a nós próprios como seres-no-mundo,
seres iminentemente mortais, seres poéticos e criativos. Uma reduplicação da realidade, como lhe
chama Foucault. A poiesis é nessa proximidade da morte, a última possibilidade
de as coisas se situarem algures para além do tempo, deixando e cravando sobre
elas fragmentos da nossa própria existência e do nosso próprio corpo
O
segredo será sempre como o descobriu Perseu, nunca olhar directamente para o
rosto pérfido de Górgona, mas sim, para o seu reflexo no escudo de bronze. Como
diz Italo Calvino:
É sempre na recusa da visão directa que reside a força de
Perseu, mas não numa recusa da realidade do mundo de monstros em que estava
destinado a viver, uma realidade que ele traz consigo e assume como sendo o seu
próprio fardo.
E voa
assim Perseu com as suas sandálias aladas, o único capaz de cortar a cabeça da
terrível Medusa, o único capaz de impedir essa lenta metamorfose do mundo num
bloco mudo de pedra. O escudo de bronze é no mundo moderno, num mundo de
monstros incertos e que tomam outras inqualificáveis (mas talvez mais
perigosas) formas, a possibilidade da experiência poética e metafórica. A
possibilidade de um reconhecimento da realidade através da imagem poética. Uma revelação, não da refulgente e cegante forma
nua do mundo, mas a revelação sobre a sua superfície esférica do nosso próprio reflexo, da nossa própria condição.” Pedro
Bismack