A Figueira de Gaya


De sabor sagrado e leve casca  serve também para descrever a pintura deusa, companheira de céu e mãe.

Gaya é terra de tantas outras árvores e de outros tantos animais.

Atravesso este outono branco carregada  destes ficcus  quase frescos quase secos que me protegem nesta exposição, e segue o pincel como se fosse de um calígrafo, mais atrás lá vêem  as linhas das  cores contadas como se fossem de um escriba, e ainda mais atrás eu a dançar o tempo todo. Sobre as formas, de pé, penso como se fosse apenas Mulher que olha a suspensão.  Vizinha em futuro, optimista, viver vezes dez, percorrer tempos vintes, lugares vezes mil - ouvir,
amanhecer,
      embrulhar e despedir-se.

Ah, estes olhos que lêem uma linguagem humana, cheia de intervalos, que fechados oferecem letras mas falados arriscam tanto medo e tanta coragem. Onde estás  Hodierna? A única que vive na casa dos ficcus!
Dizem que terá três vidas e que só no final da terceira fabricarás a pérola. Até lá muitas sombras a irão perseguir. Muitas cópias a hão-de confundir. Muitas desolações a quererão petrificar.
 Li algures que cada avanço da cibenética faz desaparecer de mim mais um bocado de ser humana, tento ainda isolar com canas das dunas portuguesas, um  último recanto  de onde o ficcus não poderá ser desalojado.

Caro espectador, daí do seu lugar abre-se  uma metapintura, criada por um cérebro /animal /ecossistémico. Active  os seus olhos para uma encruzilhada contemplativa. Assim conscientes vamos manter a "Brecha" porque esta  conserva no seu interior a trilogia (criação, beleza e gentileza). Segundo Levi-Strauss não há um dispositivo inato para a arte, mas sim um reportório, nas sociedades humanas de gratuitidade, que gira em torno da dualidade contínuo/descontínuo, a Metáfora é uma invenção para realçar essa oposição, é a brisa da essência  que chega até mim vestida de monges artistas, tatus, orchas e construtores diversos na cor da pele, na forma do nariz, nos ritos e nos mitos. E por aqui vou eu actuando nas entranhas da fissura - pintura ainda.
 Por tudo isto o importante mesmo é o que escondo em último lugar,o resultado da última tracção do movimento da mão e da gelatina do olho a querer desapegar; um bocadinho de lágrima, de sorriso, água, e som da tua voz.
O Satori não existe, o Bindu não existe, o Dasein não é.
 Por causa deste equívoco muitos de nós julgam-se outros e esquecem-se que o encantamento se encontra naquela fissura onde habita  a mudança (mu). Mu nunca é estático.
Yukio Mishima dizia que o que  mais temia era  que a beleza existisse em algum lugar e que ele nunca  a pudesse contemplar.
Morreu apesar disso?

ana maria   2018   15   outubro









                                                           



Orcha é um lugar escondido – os seus habitantes, as  orchalas têm um sistema social complexo matriarcal.
Não é raro encontrar quatro ou mesmo cinco gerações de orchalas a viver na mesma linha rosa azulada, no entanto não partilham quaisquer padrões familiares. O seu  comportamento quotidiano é, geralmente, dividido em quatro actividades: busca de alimento, viagem, descanso e socialização. Esta última costuma ser acompanhada de comportamentos, exibindo vários tipos de saltos e arremessos do corpo, espreitadelas sobre a água, além de baterem com as barbatanas e erguerem a cabeça com a esperança de voar.











O Rectângulo Que Ri - É quase verde, cheio de água, porque no início tudo era líquido, tudo era primeiro. Depois da passagem formou-se o centro, aí a concentração fez-se rosa-vermelha, ocre de terra e raízes. Finalmente chegou o homem vestido de branco. Neste lugar, apesar de ser um  turbilhão, existe um único cruzamento atrás da muralha: o lugar do sorriso.   















Texugo do Mel,  desde a Índia, gosta de comer todo o tipo de alimentos; o mel é o que mais deseja, conseguindo obtê-lo com facilidade. É valente e está imunizado aos venenos do escorpião e aos ferrões das abelhas. A pele grossa também lhe oferece proteção contra os animais maiores, como homens, carros,  e tigres;  estes últimos nunca o atacam.
Consta que são fascinados pelos olhinhos de mel.
















Jorge o Construtor - Como  Artista não dava muita importância ao pensamento, apenas reflectia o seu sentir; o seu alento era  impulso e energia. Construía castelos no ar sem perder os movimentos, por vezes estes desmoronavam-se por si ou eram por ele mesmo safanados. Recomeçava sempre porque amava o lugar onde tinha nascido, e soletrava as letras do seu nome como se fossem sagradas - joooo  r r r r gggg  e e e e. O tudo ou  nada no mesmo instante. Jorge  era um poeta detector. 














Nô  -  Forma de talento ou habilidade - Além disso não serve só para o que é meu, mas para o que é seu também. O jogo exterior que proporciona nunca deve exceder o sentimento interior.























O Monge Artista - Apesar do seu aspecto sonhador é um homem sensato e trabalhador, nasceu em Guvilia freguesia de Gaya. Nunca partiu destas paragens, dedicou-se à terra, plantou favas e uma macieira. Ao conhecimento prestou atenção, entrou nele  disfarçado de traça e voltava cotovia. Soube que era monge, quando uma mulher passageira  lhe adivinhou os  pensamentos, ele nunca pensava o oposto,  nem o bem,  nem o outro, a sua expressão reflectia  um mar grandioso de ondas azuis de linhas contínuas  a  descansar, a sossegar. Os seus convidados descobriam que o monge tinha uma espiritualidade resistente, combatente, eterna. Fixado ao mar e ao céu oscilava sem nunca partir. encontrou  o equilíbrio no desejo, por isso nunca  realizou o amor, ao nível do sublime,  pois é aí que os humanos são mais exigentes, e mais frágeis , o monge também.